terça-feira, 9 de novembro de 2010

Filme: UM GRITO NO ESCURO


O ano de 1980 foi marcado por uma tragédia em M. T. Isa, Estado australiano de Queensland. O pastor adventista Michael e sua esposa Lyndi Chamberlain saem de férias com seus filhos Aldam, Reagan e Azaria. À noite, no acampamento em Ayers Rock (a maior rocha do mundo), Lyndi vê sua filha Azaria, de dois meses, ser atacada e levada por uma espécie de cão selvagem (dingo). Michael e Lyndi, desesperados, saem à procura do bebê, contando com a ajuda de outros acampantes e da polícia. Em vão. O corpo não é encontrado e a imprensa noticia o fato de maneira sensacionalista, criando boatos sobre sacrifícios e cultos estranhos. A família Chamberlain faz declarações à imprensa que as distorce, transformando-as em acusações. Lyndi acaba presa, condenada por assassinato. Oito anos depois do desaparecimento de Azaria, Michael e Lyndi são inocentados.


Esta história acabou rendendo um livro – Evil Angels , de John Bryson – que foi adaptado num filme dirigido por Fred Schepisi: “Um Grito no Escuro” (1993). O filme ganhou quatro Globos de Ouro (prêmio anual atribuído pela crítica estrangeira em Nova Iorque) e o prêmio de melhor atriz para Meryl Streep (no papel de Lyndi Chamberlain), no Festival de Cannes, além de uma indicação para o Oscar. Schepisi já havia trabalhado com Streep em “Plenty – O Mundo de uma Mulher”, e em “Um Grito no Escuro” conseguiu novamente tirar o máximo de sua atriz preferida.

Logo no início do filme, vê-se um caminhoneiro passando em frente a uma igreja adventista do sétimo dia e exclamando: “Adventistas desgraçados!”, deixando claro o preconceito de algumas pessoas em relação à igreja. Em Ayers Rock, um acampante estranha o fato de Michael (San Neill) não beber álcool e estar comendo um bife vegetariano, já que os adventistas procuram usar uma alimentação natural. Mas, depois do incidente com o bebê, o que mais deixa o público desconfiado é a reação da mãe, que parece aceitar, consolada, a trágica morte da filha. O público e a imprensa parecem ignorar que os adventistas crêem na ressurreição dos mortos por ocasião da segunda vinda de Cristo, uma de suas principais crenças. Mas ninguém, nem mesmo os repórteres, se detém para perguntar sobre isso.

Em busca de uma entrevista com Michael, um jornalista esconde seu real objetivo, dizendo que a matéria servirá para advertir o povo sobre o perigo dos dingos. O pastor aceita dar a entrevista, mas, na edição, suas declarações são totalmente manipuladas. “Notícia é arte”, diz irresponsavelmente o editor.

Dias depois, um turista encontra as roupinhas da criança morta e as recoloca no local, dobradas. A situação piora para Lyndi e uma série de boatos são criados: “Adventistas não gostam de crianças normais, e Azaria não era normal”; “Azaria significa sacrifício na selva”, e por aí vai.

Os forenses erram na avaliação das roupas, enquanto a polícia faz uma revista na casa dos Chamberlain, não espeitando sequer o sábado, dia sagrado segundo a Bíblia, e dedicado exclusivamente à religião a às obras assistenciais pelos adventistas. Os investigadores acabam encontrando um caixão de defunto, utilizado pelo pastor em palestras contra o tabagismo. Nesses cursos, o ministro costumava pedir aos fumantes que jogassem dentro do caixão seus maços de cigarro, numa atitude simbólica de trocar a morte pela vida. Mas alguém pergunta isso ao pastor? Não. E novos boatos surgem.

Lyndi é condenada à prisão perpétua com serviços forçados, tudo baseado em depoimentos contraditórios dos especialistas, e não havendo nenhuma prova conclusiva.

Em 1988, oito anos após o incidente, policiais encontram o casaquinho de Azaria, exatamente como Lyndi o descrevera, sendo assim inocentada. A frase final do pastor à imprensa resume todo o drama e sua solução: “Vocês não sabem o quanto vale a inocência para os inocentes.”

Michelson Borges é jornalista, redator da Casa Publicadora Brasileira e autor do livro Nos Bastidores da Mídia (www.cpb.com.br). Texto originalmente publicado no site do Curso de Jornalismo da UFSC.

Fonte: http://bonsfilmes.blogspot.com/2006/04/um-grito-no-escuro.html

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