sexta-feira, 11 de março de 2011

As Lições de Dona Maria

Por Galeno Amorim



Por que, afinal, as pessoas leem e escrevem?

As respostas para esta pergunta costumam variar de acordo com o interlocutor. Todas elas, entretanto, remetem a uma questão essencial: a necessidade que temos de nos comunicar, de compreender coisas e também de nos fazer compreendidos. Isso, afinal, é elementar na vida em sociedade.

Muitos dirão que decifrar os códigos - ou o que chamamos de palavras - pode nos ajudar de várias maneiras pela vida afora. Ou lembrar o quanto isso tem sido absolutamente fundamental para a invenção da civilização tal qual a conhecemos hoje em dia.

Ou, ainda, que ler permite, por exemplo, que nos apropriemos do conhecimento universal acumulado pela humanidade. Enfim, porque, quando lemos um bom livro, crescemos graças à saudável troca de experiências com os autores e seus personagens - que, invariavelmente, são diferentes de nós e com visões distintas de mundo.

Certamente ouviremos muitas outras explicações. E, provavelmente, todas terão alguma razão.

Vejamos, agora, o que diz sobre isso uma mulher camponesa. Quase 70 anos nas costas calejadas e frequentando a mesma sala de aula onde estudam a nora e um par de netos, dona Maria Terezinha desenvolveu sua própria teoria a respeito da função da leitura e da escrita na vida de gente simples como ela.

Ela costumava recorrer aos desenhos para contar sobre coisas simples do dia a dia. Em um deles, por exemplo, aparece dando milho para as galinhas no quintal do sítio em um dia de muito sol. Em outro, está rodeada pela parentela, com a natureza exuberante às suas costas. Também ilustrou o dia em que toda a família fez um mutirão para erguer a casa própria no assentamento.

Mas escrever mesmo dona Maria não sabia. Nem uma letrinha que fosse. Até que um dia ela decidiu ingressar em uma das turmas noturnas da Educação de Jovens e Adultos do Horto Guarani, um assentamento da reforma agrária entre Pradópolis e Guariba, no interior de São Paulo.

Por ora, dona Maria só aprendeu a desenhar o próprio nome. O que faz, por sinal, como se estivesse fazendo uma oração, com orgulho indisfarçável e uma alegria quase juvenil. Mas isso já foi o suficiente para que, dias desses, quando precisou ir ao banco, sua vida ganhasse um novo sentido.

Pela primeira vez, ela não precisou mais borrar o dedo de tinta para carimbar sua identidade no papel. Seria sua primeira vez.

Sensibilizado, o gerente da agência a convidou para ir até sua mesa e ali assinar o seu nome.

Foi uma sensação única na vida dela. Mas não foi só: mandou fazer uma nova carteira de identidade, que matava definitivamente o antigo documento, que cravava como um punhal a expressão que a envergonhara durante toda uma vida: ANALFABETA.

Dona Maria Terezinha sabe que ainda falta um bocado para chegar lá. E que, para isso, precisa continuar a dar duro, como, aliás, já faz na sua roça. O que dá força a ela é a alegria que sentiu naquele dia no banco. Isso ninguém tira, ela garante:

- Acho que é isso o que o pessoal da cidade chama de cidadania...- diz, com o jeitão de quem não tira mais o pé dessa estrada.

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